A gigante tarefa de requalificar o Património cultural nacional

A gigante tarefa de requalificar o Património cultural nacional

 

Plano de Recuperação e Resiliência

Especialistas na obra de instalação do Museu Nacional da Música, no Palácio Nacional de Mafra

O enquadramento não poderia ser mais esclarecedor. Na escada de Campo Santo, na ala norte do Palácio Nacional de Mafra, que nos guiará à entrada do futuro Museu Nacional da Música (MNM), treze especialistas das áreas da arquitetura, engenharia, conservação e restauro juntam-se em roda e observam, discutem, propõem abordagens e soluções para recuperar as juntas entre as pedras que compõem a escada. Chegam rápido à conclusão de que a argamassa das juntas é mais escura do que a original e um dos especialistas em conservação e restauro acaba por sugerir que o material químico que funcionaria na remoção das juntas é proibido nesta obra. Há que encontrar outras soluções…

Apesar de parecer uma discussão “menor”, a verdade é que a abordagem é minuciosa porque estamos não numa simples obra de construção, mas antes numa obra de requalificação da ala norte do Palácio Nacional de Mafra, inscrito como Património da Humanidade pela UNESCO desde 2019. Um monumento que em breve vai acolher o novo Museu Nacional da Música e, como tal, todas as intervenções, das pequenas às grandes, são pensadas ao detalhe.

E o enquadramento não poderia ser mais esclarecedor porque transmite a imagem das centenas, e exigentes, intervenções que estão a decorrer por todo o país no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) aplicado ao Património. Um Plano que vai envolver 79 imóveis, entre monumentos, museus, igrejas e sítios arqueológicos, sob responsabilidade do Património Cultural, Instituto Público (PC, IP), que garante o acompanhamento da implementação física e financeira de um investimento global de 216,2 milhões de euros. No total, e até 2026, o PC, IP terá de gerir 165,8 milhões a aplicar à requalificação de Museus, Monumentos, Palácios e Castelos; 48,4 milhões a Teatros Nacionais; e dois milhões ao programa Saber Fazer.

Mas voltemos à obra. Desde a força para controlar o poder da máquina que coloca o chão do piso -01, que irá acolher as reservas, até à delicada mão que manuseia o pincel que põe a descoberto as imperfeições pétreas que em seguida serão restauradas, são dezenas os trabalhadores que vamos encontrando ao longo do corredor que atravessa as várias salas que compõem o futuro espaço museológico.

Quando finalizadas estas paredes farão parte do MNM, mas o objetivo é que o visitante nunca se esqueça que também está num Palácio, património da Humanidade. “Essa é a consciência que tínhamos desde o princípio”, afirma Paulo Costa, arquiteto do consórcio Site Specific + P06 Atelier. “Esse é um dos conceitos iniciais do nosso projeto, até mesmo ao nível das vitrines que são elementos altos e envidraçados para permitirem ver os instrumentos, mas sempre com o contexto do Palácio. Ou seja, estamos sempre a ver os dois patrimónios em ligação”.

Para tal, nesta obra recuperam-se paredes e abóbadas, repararam-se fissuras e danos, limpam-se cantarias de pedra em portas e janelas e restauraram-se as carpintarias existentes. Como os pavimentos estão mais danificados, pelos anos de ocupação militar da ala norte, é no chão que está a ser colocada grande parte das infraestruturas. Um importante desafio do ponto de vista da arquitetura, como admite Paulo Costa. “Eu elegia as infraestruturas como o ponto mais crítico nesta obra” e “diria que, do ponto de vista técnico, o maior desafio é compatibilizar o século XXI com o séc. XVIII. Atualmente, quando estamos a fazer um Museu existe um conjunto de requisitos que o próprio museu tem ao nível da climatização, controlo de humidade e temperaturas» e isso exige “eletricidade e cabelagens, que são coisas muito pesadas. (…) Este edifício não tinha instalações nenhumas, era tudo muito artesanal”. Pelo que, questiona o arquiteto, “de que forma conseguimos introduzir essas infraestruturas sem estragar o Palácio?”. A solução passou por concentrar as infraestruturas e “isso aconteceu, também, com a ajuda da antiga Direção-Geral do Património Cultural (agora PC, IP), ao encontrar um espaço onde já ia existir um elevador. E há um saguão que se assumiu que ia ser usado como espaço de instalações, que nós aproveitámos”.

Pela luz que entra pelas janelas, pelo pé direito dos andares, pela magia que é estar num Palácio do séc. XVIII, pelo projeto museológico que promete salas com pontos ótimos para uma experiência imersiva e acústica sem igual, espaços polivalentes, salas preparadas para receber concertos, biblioteca e fonoteca, zonas partilhadas com o Palácio, como uma loja, uma cafetaria e acesso ao elevador… esta é uma intervenção de restauro que salvaguardará o património para o futuro e cria todas as condições para acolher as novas gerações. Estas são, aliás, as condições exigidas pelo Conselho Europeu, no Next Generation EU, um instrumento extraordinário e temporário de recuperação pós pandemia, que enquadra o PRR para a Cultura, o seu investimento e objetivos relativamente ao Património Cultural.

Um objetivo que a Câmara Municipal de Mafra, dono de obra, há tanto ambicionava, como nos explica o engenheiro Tiago Jorge. “Para o Município é uma obra de toda a importância pela dimensão que tem e pela continuação daquilo que estamos a fazer, que é conservar o património, e ao mesmo tempo promover a Música, porque Mafra é música e tem-se apostado muito nesse campo”. Uma aposta que também vai ser evidente na construção do Arquivo Nacional do Som em Mafra, a única obra de raiz que vai ser construída no âmbito do investimento do PRR dedicado ao Património, com um valor de 4,5 milhões de euros.

PRR no mapa e em números

Para além do Palácio Nacional de Mafra, cuja requalificação no âmbito do PRR para o património prevê um investimento de 6,4 milhões de euros para a empreitada de instalação do MNM e a museografia, e mais sete milhões de euros para a reabilitação da envolvente exterior e a conservação e restauro da Basílica e Biblioteca, são muitos os edifícios emblemáticos que estão a ser requalificados no âmbito do PRR através de importantes investimentos, entre os quais, mais cinco monumentos classificados como Património da Humanidade, nomeadamente, o Mosteiro dos Jerónimos (3,7 milhões de euros), a Torre de Belém (1,3 milhões de euros), o Convento de Cristo (5,3 milhões de euros), o Mosteiro de Alcobaça (5 milhões de euros) e o Mosteiro da Batalha (1,9 milhões de euros).

Na lista das requalificações a realizar (ver lista) estão também 51 imóveis de diversa tipologia e 24 museus, sendo que destes últimos os que têm intervenções com maior investimento são o Museu Nacional de Arqueologia (32,6 milhões de euros), o Museu Nacional do Traje (€7,4 milhões de euros) e o Museu Monográfico de Coimbra (€ 5,9 milhões de euros). Também três teatros nacionais terão importantes obras de requalificação, com o Teatro Nacional São Carlos a compreender um investimento de 32,7 milhões de euros, o Teatro Nacional D. Maria II um valor de 9,6 milhões de euros e o Teatro Camões de 5,8 milhões de euros.

Toda esta dinâmica exigiu ao longo do último ano, que as equipas do PC, IP se envolvessem numa série de tarefas de acompanhamento da implementação física e financeira do PRR, como por exemplo, a elaboração de uma centena de programas preliminares, a assinatura de 30 contratos de financiamento com municípios e associações que envolvem intervenções em 38 concelhos (ver mapa), o que permitiu o arranque de centenas de empreitadas, sendo que à data estão 13 terminadas. Finalizadas estão também as requalificações do Museu Nacional Frei Manuel do Cenáculo, em Évora, e do Museu José Malhoa, nas Caldas da Rainha.

Mas o PRR Cultura não se esgota na medida de investimento relativo ao Património Cultural. Existem ainda outras medidas de investimento em curso em que o PC, IP é o principal gestor (beneficiário intermediário) através do Fundo de Salvaguarda do Património Cultural, nomeadamente, o PRR para as Redes Culturais e Transição Digital, com um valor de investimento de 103 milhões de euros que compreende a Modernização da Infraestrutura tecnológica da rede de equipamentos culturais e a Modernização Tecnológica dos Laboratórios (Laboratório José Figueiredo, Laboratório Arqueociências, Laboratório de Conservação e Restauro do Centro Nacional de Arqueologia Náutica e Subaquática e Forte de Sacavém). Mas estes são projetos que iremos conhecer em futuras edições.

Texto e imagem de Lúcia Vinheiras Alves / PC, IP

Texto elaborado para a “NEWSLETTER PATRIMÓNIO CULTURAL, I.P.”, nº 2 [maio 2024].

Skip to content